quinta-feira, 7 de março de 2013

Diário de Viagem Floripa a Ushuaia - Parte 2

Dia 11: 05/01/2013 - Villa la Angostura a Gobernador Costa
Levantamos acampamento e continuamos pela RN 231 e RN 4 até San Carlos de Bariloche. Demos uma passeada na cidade e encontramos grupo de motociclistas de Joinville. Achamos ela “muito cidade” com todos os problemas que estamos acostumados (filas, sujeira, pobreza, etc).
Continuamos para o sul até El Bolson, cidade natal de uma grande amiga minha. Lá encontra-se a cervejaria que leva o mesmo nome da cidade e que segundo minha amiga é a melhor do mundo. E a segunda melhor da Argentina.
Pegamos um lanche e fomos saboreá-lo na Plaza Pagano onde havia uma feirinha. Não ficamos muito pois fomos expulsos por um “guardinha” já que as motos estavam “estacionadas” na calçada.
O sono foi uma constante durante a tarde, já que a estrada tinha poucas curvas e não estávamos mais acompanhados pelos belos montes nevados. Lá pelas 3 hs da tarde não aguentamos e paramos embaixo de uma árvore para tirar uma soneca.
Paramos num posto na cidade de Tecka para tomar um café e nos deparamos com uma grande fila para abastecer. Perguntamos à frentista e ela nos informou que havia posto na próxima cidade, Gobernador Costa. Porém ao chegarmos lá não havia mais “nafta”, o que nos obrigou a dormir na cidade. Foi até bom pois pegamos uma hosteria bem ajeitada, com estacionamento coberto para as motos, cozinha, banheiro e TV a Cabo enquanto lá fora o vento bombava.









Dia 12: 06/01/2013 - Gobernador Costa a Bajo Caracoles
Acordamos de manhã, nos ajeitamos e tocamos para abastecer as motos no posto. Estava chovendo e, quando chegamos lá, uma grande fila nos atrasou por mais de 30 minutos.
Continuamos na RN 40 para o sul, onde pegamos mais de 100 km de rípio e estradas em construção.
Ao chegarmos cansados, quase à noite, em Bajo Caracoles, uma vila de 30 habitantes no meio do rípio, perguntamos por um quarto no único “hotel” da cidade.  O valor estava em 480 pesos argentinos, sem chance de negociação, quase o dobro do que pagamos em Gobernador Costa.
Resolvemos abastecer o tanque das motos no “posto” que era controlado pelo pessoal do “hotel”. Apesar da gasolina estar bem cara, por precaução coloquei 4 litros no galão reserva.
Ficamos discutindo se continuaríamos a viagem ou não. Optamos por montar a barraca em um terreno baldio protegidos por um container. Dormi com fome e frio.







Dia 13: 07/01/2013 - Bajo Caracoles a El Chalten
Desmontamos nosso acampamento dos sem terra e pilotamos por mais de 200 km de rípio em diversas condições. Chegando em Tres Lagos paramos no único posto da cidade para fazer um lanche e abastecer. Descobrimos que ali não havia “nafta” (gasolina) e que não havia previsão para chegar. Discutimos o que iríamos fazer já que não tínhamos combustível no tanque para chegar à cidade mais próxima, El Calafate.
Coloquei 3 litros do galão reserva na moto e seguimos em baixa velocidade. No meio do caminho, acompanhando as placas percebi que El Chalten era mais próxima que El Calafate, apesar de termos que sair da rota. Conversei com o Guga e acertamos de ir para lá.
El Chalten é uma pequena vila turística de 1200 habitantes dentro do Parque Nacional Los Glaciares. É muito procurada para prática de esportes de aventura como trekking, montanhismo e rafting.
A cerca de 18 km da vila a moto do Guga começa a falhar e dou o último litro do galão reserva para ele. No único posto da cidade não havia nafta e ela só chegaria depois do dia seguinte.
Perguntamos em alguns hostels, porém ou estavam cheios ou só com reserva. Por sorte, encontramos o hostel Ahonikenk Chaltén, bem simples mas muito bacana.





Dia 14: 08/01/2013 - El Chalten
Dividimos nosso quarto com mais 2 israelenses. Em Israel é muito comum os jovens, após completarem o serviço militar (3 anos para homens e 2 para mulheres), viajarem durante vários meses para diferentes países. A região patagônica é um destino muito procurado por eles.
Após o café da manhã saímos para tentar abastecer as motos, mas como não havia nafta (gasolina) no posto resolvemos fazer a trilha para o monte Fitz Roy, um pico nevado muito famoso. Na cidade havia um vento gelado muito forte e por isso vestimos várias camadas de roupas. Na trilha, como havia a montanha cortando o vento e estávamos nos mexendo, começamos a sentir calor. Resolvemos “abandonar” uma parte de nossas roupas para pegá-las na volta.
O “Río de Las Vueltas” dava um charme especial à trilha que atravessava bosques com ávores castigadas pelo frio e pelos fortes ventos da região. Chegando ao “mirador” haviam várias pessoas tirando fotos. Achei interessante o casal com bebê de colo carregado numa bolsa canguru. A cena me fez refletir sobre toda a proteção exagerada e distância da natureza por que passam as crianças de hoje em dia.
Passamos pela Laguna del Pato e aproveitamos pra tirar uma soneca. Na volta encontramos um grupo de brasileiros e uma coisa que um deles falou me gravou na mente: “A Patagônia vicia”.
Ao anoitecer fomos ao único posto averiguar se havia nafta. Nunca fiquei tão feliz em ver uma “cola” (fila) já que na Patagônia Argentina ou as “estaciones de servicios” (postos) têm fila ou não têm combustível. Apesar da gasolina cara, por motivos óbvios coloquei mais quatro litros no galão reserva.
À noite, na cozinha do hostel, com aquele clima gostoso de Babel, várias línguas eram faladas mas todos se entendiam. Na companhia de um argentino muito gente fina que estudava filosofia em Buenos Aires, jantamos um “delicioso” macarrão com nosso vinho de cada dia.











Dia 15: 09/01/2013 - El Chalten a El Calafate
Acordamos e comemos os restos da janta. Arrumamos nossas coisas e tocamos o pé na estrada. Os pouco mais de 200 km que separam El Chalten de El Calafate são um espetáculo da natureza. Os lagos Viedma e Argentino com os montes nevados da cordilheira dos Andes ao fundo me fizeram refletir sobre a insignificância do homem e suas preocupações.
Ao chegarmos em El Calafate, abastecemos as motos e fomos procurar uma oficina para trocar o óleo da moto do Guga. Como esta só trocava óleo de carro, um dos mecânicos se dispôs a nos “ajudar”. Muito enrolado, ao invés de ir buscar o óleo sozinho, ou apenas nos ter indicado o local, nos fez segui-lo até uma loja especializada em motos, e depois segui-lo novamente para voltar ao ponto de partida. Pra completar não entendia nada de troca de óleo em motos, e cobrou uma fortuna por algo que muitas vezes é realizado de graça: 100 pesos argentinos.
Fizemos o checkin no Hostel Calafate e, como já estávamos atrasados, fomos ver o Glaciar Perito Moreno. Ele se encontra no Parque Nacional Los Glaciares há cerca de 80 km da cidade, possui 5 km de extensão e aproximadamente 60 metros.
Conseguimos chegar a tempo de realizar o passeio de barco “Hielo&Aventura” que nos deixoua à 300 mts da parede de gelo. Visto de perto, o Glaciar é de uma beleza tão intensa que nem parece ser de verdade. Devido a um fenômeno óptico explicado pelo guia (o qual não entendi muito bem) a maioria das fotos ficavam claras demais e não conseguiam representar nem de perto a majestosidade do local.
Durante o passeio uma chuva começou a cair em nossas cabeças e lembramos das nossas capas no hostel em Calafate. É muito comum a queda de blocos de gelo que se desprendem do Glaciar, tentamos vê-la partir do mirante porém só conseguimos escutar.
Foi só sairmos do parque que a chuva parou. Olhei para trás e ela estava concentrada bem em cima do Glaciar. Tomamos um banho no hostel e saimos para comprar nossa janta. Durante o preparo, naquela miríade de línguas conhecemos uns escaladores brasileiros que estavam fazendo trekking nas montanhas do parque.
Jantamos juntos e saímos para dar uma caminhada na cidade. De volta ao hostel conhecemos o dono do restaurante, uma argentino que já havia morado no Brasil e entendia tudo de MPB. Ficamos até altas horas jogando papo fora e curtindo uma rodinha de samba.







Dia 16: 10/01/2013 - El Calafate a Torres del Paine
No café da manhã encontramos o Olavo, paulista dono de uma Suzuki VStrom 650cc que havíamos conhecido na noite anterior. Como ele também estava indo para o sul, resolvemos seguir viagem juntos. Atravessamos juntos a fronteira em Cancha Carrera na Argentina e o Paso Río Don Guillermo no Chile. Neste último presenciamos uma cena um tanto pitoresca: um argentino estava discutindo em voz alta com os agentes fronteiriços pois estes estavam vasculhando toda sua bagagem. Uma voz roca que virou motivo de piada no resto da viagem.
Após alguns perrengues de falta de gasolina e ventos que quase o derrubaram o Olavo acabou tocando direto para a cidade de Puerto Natales. Eu e o Guga resolvemos continuar para Parque Nacional Torres del Paine.
O parque é muito bonito e, para visitá-lo, moradores do Mercosul pagam 40 dólares. Lá o vento é uma constante nos faz quase cair diversas vezes. Para se ter uma idéia, ele derrubou a moto do Guga no chão enquanto estávamos tirando fotos do lago Sarmiento.
Ficamos no camping Pehoe dentro do parque. Ele possui boa infraestrutura, com banheiros, mesas, churrasqueiras e um telhado para proteger a barraca do vento. Entretanto, é bom levar comida ou estar preparado para gastar no restaurante, já que o “mercadinho” tem pouca variedade de comidas.
Nesse mercadinho conhecemos um casal de alemães que, vendo a nossa necessidade, nos deram macarrão. Misturamos com o Miojo que o Guga havia trazido do Brasil porém no meio do cozimento o gás do fogareiro acaba. Estávamos com muita fome, mas mesmo assim não conseguimos comer tudo. Dormimos de barriga vazia mesmo.









Dia 17: 11/01/2013 - Torres del Paine a Punta Arenas
Durante a madrugada escutamos alguns barulhos próximos à barraca. Xingamos, batemos palma e gritamos mas o barulho permaneceu. Abri a barraca para ver o que era e pude notar o vulto do que parecia ser uma raposa. Tentei espantá-la sem sucesso. Como estava frio, fiquei com preguiça e voltei a dormir dentro do meu saco. Ao acordarmos de manhã percebemos que tudo que tinha comida dentro estava revirado e vazio. Lá se foi nosso delicioso macarrão “al-quebra-dente”.
Continuamos rumando sul junto ao trio mais comum da Patagônia: rípio, vento e paisagens maravilhosas. O cansaço começa a pesar e um pequeno desânimo nos bate: “não chegamos nunca no fim do mundo e nossa casa só fica mais longe!”
Em Puerto Natales abastecemos as motos e fomos procurar algum lugar para comer. Paramos em um supermercado e compramos um frango assado, pão e suco de laranja. Depois tocamos para a Plaza 1o de Mayo onde, na companhia de nossos amigos caninos, devoramos nosso almoço.
O vento que já era forte foi aumentando próximo a Punta Arenas. Nos disseram depois que ele chegou a 90 Km/h. A cidade possui uma zona franca e as coisas realmente são baratas. Não há muito o que se comprar para motos mas mesmo assim o Guga conseguiu trocar o pneu traseiro e eu comprei óleo e um galão reserva para combustível.
Coloquei uma hospedagem no GPS mas ela estava cheia. A dona ligou para diversos outros estabelecimentos e nos conseguiu uma pousada bem aconchegante, com banheiro privado, de uma senhora bem velhinha e muito querida. Ponto para os chilenos.
Jantamos cachorro quente em um posto, voltamos para a pousada, amarramos as motos e fomos dormir no quentinho.





Dia 18: 12/01/2013 - Punta Arenas a Ushuaia
Tomamos um café da manhã reforçado na pousada e começamos a nos arrumar para mais um dia de viagem. Pelo menos este seria o último dia que estaríamos indo para o sul, para mais longe de casa.
Por volta das 10 hs seguimos para o porto de Punta Arenas pegar a balsa que nos levaria através do Estreito de Magalhães para Porvenir na Tierra del Fuego. Chegando lá descobrimos que só havia horário às 15 hs o que nos fez andar 164 km até a balsa em Punta Delgada.
Depois da balsa há um trecho de 42 km de asfalto e 120 km de rípio até a aduana em San Sebastian que é bem pesado de se passar devido ao constante vento que sopra.
50 km antes de chegar em Ushuaia paramos para tirar umas fotos do Lago Escondido e conhecemos 3 motociclistas de Recife - PE: Olinto, Fábio e Rogério. Pessoas especiais, daquelas que parece que se conhece há anos e que fazem a viajem valer a pena. Após a sessão de fotos e brincadeiras no penhasco tocamos juntos até o portal de Ushuaia que marcaria o alcance do objetivo maior da viagem: chegar ao “FIN DEL MONDO”!
Combinamos de nos encontrar no dia seguinte e eu e o Guga fomos procurar um hostel. Perguntamos em diversos locais até encontrarmos o Hostel Los Lupinos. Ao descarregar as bagagens, percebi que não tinha fechado direito o galão reserva e minhas roupas ficaram cheirando a gasolina. Lavei-as no banho e depois saímos para jantar um lanche e tomar uma Quilmes pra comemorar!













Dia 19: 13/01/2013 - Ushuaia
De manhã encontramos nossos amigos de Recife e combinamos de realizar o passeio de van para o Parque Nacional Tierra del Fuego. Chegando lá almoçamos uns petiscos e bebemos vinho argentino. Fomos então tirar fotos na famosa placa que indica o fim da RN 3 um marco de que ali é realmente o fim do mundo.
Na volta combinamos de comer um centolha (king crab ou caranguejo gigante). Ele é conhecido em todo o mundo por ter o sabor mais suave que a lagosta e mais marcante que o caranguejo tradicional. Pode chegar a 4 kg e suas patas até 20 cm. Particularmente, preferi o sabor mais acentuado da lagosta.









Dia 20: 14/01/2013 - Ushuaia a Rio Gallegos
Na noite anterior marcamos com o pessoal de Recife para sairmos juntos, porém como havia um roncador coloquei um tapa ouvidos e deixei o relógio para despertar o Guga. De madrugada ele também colocou um tapa ouvidos e, por isso, ambos não escutamos o despertador. Como não queríamos atrasá-los falamos para irem na frente que os alcançaríamos.
Pouco antes da fronteira com o Chile em San Martin não havia “nafta” no posto. Aqui começou o nosso perrengue. O próximo posto, segundo o GPS, era em Cerro Sombrero, a 120 km. Caso contrário teríamos que voltar para Rio Grande a 80 km. Consegui comprar um galão de 4 litros de um curitibano que estava em uma BMW F800. Como ambos estávamos na reserva, com esses 4 litros talvez conseguíssemos chegar a Cerro Sombrero.
Após a aduana, no começo do trecho de rípio a moto do Guga começa a falhar. Achamos ser por falta de gasolina e colocamos 2 litros no tanque, porém mais para frente descobrimos tratar-se da corrente. Pedimos ajuda para um casal de canadenses que levaram tanto o Guga quanto a moto até Rio Gallegos.
Enquanto isso eu ainda estava com pouco combustível. Coloquei os 2 litros restantes no tanque e segui para Cullen. Nunca me esquecerei deste local. Era um acampamento petrolífero que por milagre tinha um posto (não mapeado pelo GPS). Além de encher o tanque, enchi o galão reserva.
Encontrei o Guga em Cerro Sombrero e, a partir dali, fui seguindo a camionete até Rio Gallegos. Chegando lá descarregamos a moto do Guga da caçamba e fomos procurar um hostel. Estava cansadíssimo por conta de todo o stress e trajeto de rípio e, por isso, ao chegar tomei uma cerveja para relaxar. O foda foi escutar o Guga dizer que a viajem dele de carro tinha sido muito tranquila. Como de praxe jantamos uns sanduíches e fomos dormir.



Continua....